domingo, janeiro 27

Crítica: As Aventuras de Pi (2012)


Por Maurício Owada

A fé e a razão, o homem sempre andou por esses dois lados, divididos por uma linha bastante espessa, a discrepância entre o discurso religioso e científico, onde tal conflito atinge temas e assuntos, como a origem do homem - a criação dele por Deus ou o processo evolutivo estabelecido por Darwin. A Idade Média foi uma época que arrisco dizer, criou-se "mágoas" entre esses dois lados que emergem no ser humano.

A fábula sobre Pi Patel que vive em alto mar, num bote salva-vidas, sozinho, com um tigre-de-bengala com o nome de Richard Parker não julga ou chega em uma conclusão específica, claro que o filme deixa seu final bem claro, mas não deixa aberto apenas uma discussão em volta da história que acabamos de presenciar, mas no tema que o filme de Ang Lee aborda, a fé. Apesar do filme lidar com essa natureza comum no homem, ele lida com a razão também, através da imagem do pai de Pi, um homem rigoroso, racional e dono de um zoológico, mas que o ama pois quer que o filho saiba lidar com o mundo afora, enquanto Pi abraça várias religiões, no caso, o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo.

Uma obra como essa transcrita para as telas, tirado do livro de Yann Martel, é necessário para uma discussão ampla e saudável sobre a crença, principalmente numa época em que há ainda guerras e conflitos com motivos religiosos, em plenos século XXI, onde o discurso da "guerra santa" já está defasado há mais ou menos quase mil anos atrás, quando houve as Cruzadas.

Mas se a validade da discussão é ampla e atemporal, ela não esconde os problemas de narrativa, como a narração em off que acaba entregando detalhes demais sobre o que já está exposto na tela e no final, entregando algumas simbologias deixadas no meio do caminho enquanto conta a sua história, sofrendo de um didatismo que acaba tirando o brilho do filme, impedindo-o de ser maior do que poderia ser.

De qualquer modo, Ang Lee consegue levar o seu filme com um bom ritmo. E toda a passagem do tempo de naufrágio é bem trabalhado através da caracterização dos personagens, que vão emagrecendo conforme o tempo que ficam com menos comida. E apesar do tigre parcialmente digital, o filme nos convence da amizade e do afeto do menino com o selvagem tigre-de-bengala, cujo relacionamento se aprimora com o respeito, o mesmo respeito que muitas pessoas hoje em dia esqueceram quando discordam de algo, e talvez seja sobre isso também que o filme aborde de uma forma bastante sutil, dois personagens de natureza totalmente diferentes terem que dividir um bote, um luta pelo espaço do outro, mas ambos só conseguem dividi-lo quando surge o já citado respeito, e a mutualidade.

Não pode deixar de lado técnico do filme, a fotografia e os efeitos visuais são extremamente de alto nível, onde a fotografia faz mesclar um cenário falso (maior parte do filme se passa no mar, que é digitalmente reproduzido, em que os atores trabalham em um estúdio de chroma key) com os personagens presentes. O tigre-de-bengala é de um aprimoramento técnico que nos faz pensar em que momentos ele é digital e em que está sendo filmado um de verdade.

Ang Lee não atinge a perfeição neste filme, devido a problemas narrativos, mas o assunto que ele aborda e com a sensibilidade com que aborda, deixa o espectador sair da sala de cinema com a ideia martelando em sua cabeça, e apesar das conotações religiosas, o mais importante a se passar é sobre como o ser humano lida com a fé, independente se acreditamos em Krishna, Buda, Jesus Cristo, Maomé, Jeová, Alá, santos, espíritos, ...

Avaliação: 7,0/10


2 comentários:

  1. Caramba, eu já estava com muita vontade de ver o filme antes e a vontade está aumentando. Estou curiosa para saber como um tema tão delicado foi transportado para o cinema com esse formato! Parabéns pela crítica, muito boa!

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  2. O FILME, além de ser maravilhosamente bonito e fotografado, possui um pano de fundo temático saboroso e discutível.

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