sábado, agosto 31

Crítica: Festa de Família (1998)


Por Wendell Marcel


"A desconstrução familiar" .

O diretor espanhol Luís Buñuel utilizava sua câmera para falar sobre a sociedade de uma maneira determinada, em outras palavras, crítica e aguda. Contava de forma genial as hipocrisias e as aparências das relações de pessoas que transformam-se em objetos criados para dar sentido a um processo macabro de viver o ciclo: a falsidade dos caracteres. A filosofia como Festa de Família (Festen) levanta seus conceitos, lembra muito esse mestre do cinema, e o seu diretor é igualmente determinado em elaborar uma discussão plausível e estreante de contar a sociedade, e mais especificamente, a família, o cerne da estrutura social.



É nítido. Todas as famílias são diferentes umas das outras, apesar de haver um símbolo entre elas. O elo são os segredos, encobertos pelo tempo. Christian possui um segredo que persegue ele durante toda sua vida, e ele encontra na oportunidade da festa de família (comemoração pelo aniversário de 60 anos do Pai) para revelar, diante de todos os parentes, muitos entes vale ressaltar, sendo esta uma família tradicionalmente dinamarquesa, as sombras de seu passado. No pré-tempo da reunião do jantar de comemoração, vários acontecimentos secundários vão ocorrendo, preparando o campo psicológico de todos os envolvidos na trama. Não caberia aqui nenhum detalhe sobre esses segredos, as revelações que fazem o filme acontecer tornando-o brilhante e dignificante para a obra do diretor. Mas algumas observações são importantes. Ao menos as centrais.



O paralelo entre uma das várias temáticas de Buñuel com o filme do Thomas Vinterberg é deveras interessante, pois os dois, ainda que separados pela sintética estética de seus filmes, parecem supor a uma mesma perspectiva de seus enredos. Vinterberg comete o espectador em perceber as podridões de uma típica família dinamarquesa, aparentemente integrada (mesmo diante do caso isolado recente) sob uma mesma premissa: mesmo diante das tragédias, a base deve ser sempre sólida. A solidez, no caso, é o pai, Helge. Hipocrisia. A representação clássica mitológica criada pelas ideologias religiosas de que a família é a base da sociedade, é criticada na raiz de seu problema, o patriarca. 



As situações desconfortáveis que se sucedem durante os anos só fazem aumentar a distância entre os filhos. A família não é só analisada em sua óptica micro, mas também macro: o preconceito cultural sobre a cor; a traição dentro das relações conjugais; a depressão nas simples trocas de amizade e sentimento, regido pela proeza excelentíssima da falsidade. A tradicionalidade neste filme é perseguida em cada detalhe, significativo para criar o enlace final do enredo: as crias contra seu produtor, e o nojo de terem sido criados por ele. O aperfeiçoamento é o retrato óbvio das atitudes de cada personagem. Um dos ápices, todos vão conhecer, pois é a linha dark que atravessa todo o filme.



O objeto máximo que se pode tirar de Festa de Família é a sombra eminente em cada sorriso, em cada aperto de mão, em cada palavra concedida por um viés dogmático concedido pela hierarquização das ações entre os familiares; o estranho sentimento eloquente da verdade e da traição de si próprio. Não é um segredo que destroi uma família, mas as ações perpendiculares atribuídas durante os anos, construindo um exemplo catastrófico que resulta em um sentimento imaginário, quase vazio. A vida privada acontece, pois, não apenas numa casa com os pais e os filhos, mas as resultantes são refletidas dentro de um conjunto imenso e complexo de relações, como o exemplo da festa da família.



Se Vinterberg inaugurou o seu movimento cinematográfico dogmático com este filme, ele também trouxe novamente em voga a reflexão tantas vezes propostas por Buñuel em O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme discret de la bourgeoisie, 1972) e O Anjo Exterminador (El Ángel exterminador, 1962). Vinterberg recentemente contou uma história impactante, na mesma proposta que este aqui, sendo A Caça (Jagten, 2012) igualmente uma obra-prima, tão recente quanto o filme de Franco, o ótimo Depois de Lúcia (Después de Lucía, 2012).



Como tudo que deve ser comentado dentro do universo das artes, o cinema possibilita interpretações múltiplas de uma obra autoral. Festa de Família sairia o prato principal do ano de 1998 na Dinamarca, e cairia em vantagem absoluta, quando a originalidade e a pretensão nesta sétima estava se tornando frágil e esquecida.



É o sorriso incessante da mãe, a brutalidade do caçula, a confusão de Helene, a depressão do primogênito, a postura imbatível do pai e as lembranças da irmã gêmea os sabores confluentes dessa história servida à luz natural, som ambiente e edição sufocante no filme arrebatador de Thomas Vinterberg. Um gênio até as últimas consequências.  


Nota: 8,0/10,0




Trailer:

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