segunda-feira, dezembro 23

Crítica: Eu e Você (2012)


Por Maurício Owada

"A manifestação das emoções seja na vida ou na arte,
por Bernardo Bertolucci"

Dois personagens sofrem do modo como vivem, mesmo que suas situações sejam totalmente distintas. Lorenzo (Jacopo Olmi Antinori) é um garoto de 14 anos que vive sem interagir com seus colegas e que têm uma relação um pouco conturbado com seus pais, decide fingir que foi a uma viagem de escola e se esconde no porão da sua casa para ficar sozinho, com comida, roupa e aparelhos para passar o dia, até que um dia, entra no porão a sua meia-irmã Olivia (Tea Falco), a qual mal conhece e é viciada em heroína.

Bernardo Bertolucci já nos primeiros minutos do filme, demonstra toda a personalidade de Lorenzo, mal fala, vive de fone, tampando seus sentidos da realidade com músicas que abrangem o repertório da trilha musical do filme. Através de excelentes diálogos (na qual o filme se sustentará inteiramente), é revelado a sua relação com a mãe (Sonia Bergamasco), quando em um jantar se percebe a total ausência do pai, seja pela hipótese curiosa que Lorenzo cria ou pela mentira da mãe em relação ao não-comparecimento do pai. Assim como sua relação inicialmente conturbada com a meia-irmã, que se cria uma relação que têm certos momentos que beiram ao incesto e assim como Lorenzo, sofreu com a ausência do pai, mas de um modo ainda mais forte.

Bertolucci impõe todo a inquietude e os conflitos de uma geração adolescente, mas demonstra através de duas personalidades que se manifestam e reagem de modo completamente diferente. Olivia se expõe mais, encara o mundo de frente e é considerada a rebelde da família, o que justifica o seu gosto pela fotografia, mostrando que a arte é uma manifestação do homem daquilo que pensa e sente e Olivia não deixa eles se aglomerarem dentro de si, mesmo que isso a machuque no meio do caminho, consciente de seus defeitos, enquanto Lorenzo é totalmente diferente e prefere se manter afastado do contato humano e observa mais encanto nos animais só demonstra a vontade de fuga do círculo de onde faz parte e esse contraste faz com que inicialmente entrem em choque, mas é no momento mais lindo do filme é quando eles cantam uma versão em italiano de Major Tom - Ragazzo Solo, Ragazza Sola. É aí quando eles se compreendem, sentimentos e pensamentos de ambos retratado na belíssima letra de Mogol, cantada pelo próprio David Bowie.

Todo encenado praticamente apenas no porão, aquele lugar serve de compressor do seu estado que mexe com o emocional deles, mais explícito em Olivia, sua frustração pelo abandono do pai, que a largou e a sua mãe para ficar com a mãe de Lorenzo e a abstinência da droga e o jeito introvertido de Lorenzo, que se sente abandonado pelo pai mesmo que ele pague suas coisas e todas as emoções se não fosse pela capacidade dramática de seus atores, o olhar de Jacopo Olmi Antinori penetra o seu expectador e Tea Falco brilha, furiosa e apaixonante.

Com o roteiro do próprio Bernardo Bertolucci, Francesca Marciano e Niccolò Ammaniti, que também é o autor do livro no qual o filme se baseia, há licença poética para referências ao filme Os Incompreendidos, de François Truffaut, a diferença é que a busca por carinho e amor é representada nos dois. A colisão de sentimentos não cria o caos dentro deles, mas expõe e oscilam diante de nós e tal cena é apenas bem sucedida devido a delicadeza do seu diretor. Os dois carregam um pouco do Antoine consigo: a frustração, a carência, o gosto por arte... e isso tudo é enfatizado em seu final.

Bernardo Bertolucci faz uma belíssima obra sobre a juventude, sempre imersa na incertezas de si e do mundo. Se esconder não vai torná-lo invulnerável a vida, mas apenas o fragilizará, os hematomas fazem parte, como Olivia descreve. E seu final deixa o público a julgar quão serão os destinos de Lorenzo e Olivia: ele decidiu enfrentar o mundo? Ela deixará de usar heroína? Talvez o close congelado no rosto de Lorenzo com um sorriso em canto de boca diga tudo...

Nota: 8,5/10,0




Trailer:

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