segunda-feira, abril 14

Crítica: Terra em Transe (1967)


Por Maurício Owada

"A alegoria política de Glauber Rocha"

Sempre conhecido por um cinema engajado artisticamente e politicamente, Glauber Rocha não utilizava de manipulação, mas tornava o filme interpretável para qualquer época que se assistisse, assim é o curta em documentário Maranhão 66 (assistam aqui!), quando o registro da posse de José Sarney, se ele denunciava os males do Estado que precisavam de atenção, vendo sob a ótica de hoje, o cinismo e a demagogia do discurso do novo governador que arrancava do poder uma antiga oligarquia para colocar a própria se torna evidente e numa entrevista, o diretor dizia que todo cineasta tem que ter um pouco de profeta. A obra não foi utilizada para fim de propaganda, não sendo utilizada na campanha, mas ficou eternizada no cinema como um produto audiovisual que demonstrava o talento e o olhar impar do cineasta baiano.

Após fazer filmes como Barravento e Deus e o Diabo na Terra do Sol (o contraponto na filmografia do cineasta: um filme que se passa a beira do mar e outro no sertão árido, mas com problemas e questões sociais semelhantes), Terra em Transe não sai do Brasil alegoricamente, mas Glauber cria um país imaginário - Eldorado - e se situa na província fictícia de Alecrim, aonde um governador populista ganha apoio com ideias quase revolucionárias, mas quando chega ao poder, repreende os camponeses em prol dos grandes burgueses que alimentam o governo, inspirado claramente em Sarney e que reflete outros grandes líderes populares de hoje em dia, a obra se abre como uma alegoria da situação política e social do Brasil e do restante da América Latina, que sofria com as políticas desiguais e o intervencionismo americano em prol de uma relação não só apenas ideológica, como econômica, sendo que o menor sinal de "ato comunista" levou o país a ser tomado pelos militares em 1964.

O filme foi confuso para os militantes na época, que não sabiam se Glauber tinha feito um filme de esquerda ou direita e tentar vê-lo por uma ótica de posição e ideologia política determinada é desmerecer toda a discussão que ele põe na tela, que irradia poesia pelas imagens poderosas e pela quebra de estética que ele leva junto com a transgressão do próprio conteúdo. Os diálogos são clamados em muitos momentos, as atuações teatrais e trás uma modernidade dentro do filme de forma ainda incrivel, pois irradia uma energia de dentro daquele discurso de revolução, sangue e palavras. O filme quebra paradigmas da linguagem de romper com o convencional em todos os sentidos e assim era o cinema dele.

Como dito por Martin Scorsese em uma entrevista sobre Rocha, Terra em Transe é um cinema político, mas envolve os seres humanos que fazem parte do processo - ele não trás nomes importantes, mas cada personagem representa um papel dentro de um momento de repressão, pobreza e rebelião. O personagem Paulo Martins, um jornalista e poeta que se engaja politicamente e se divide entre um lado e outro, interpretado por Jardel Filho é o papel de Glauber nesta história toda, como ele se vê, pois como cineasta, ele não se rende a posições de forma firme, pois o que vale no processo de mudanças é manter a democracia e a dignidade do povo e assim como o personagem poeta, ele não pode ser um artista e um político ao mesmo tempo - dito por Sara (Glauce Rocha), encostada nos ombros largos de Paulo - pois a visão que Glauber oferece é muito mais ampla do que meras posições políticas.

Regido por uma trilha-sonora que tem sons de metralhadoras inseridos de forma ensurdecedora, assim como o esmagamento de um Estado contra seu próprio povo ou a rebelião do povo contra seu Estado opressor. A câmera se assume de forma quase improvisada (assim como o elenco composto por grandes atores como Paulo Autran, Jofre Soares, Paulo Gracindo, Hugo Carvana, Francisco Milani e Flavio Migliaccio), seguindo o pensamento de seu diretor, ele registra e dança com a câmera aonde a ação acontece, sem uso de uma uniformidade na imagem, Glauber ainda assim demonstra todo um cuidado técnico na composição da imagem, mas assumindo de forma inteiramente o espírito transgressor da película, as câmeras não se prendem a toda hora em travellings e carrinhos que dão suporte, a mão é o suporte: a mão do artista.

Terra em Transe é alegórico e forte, expressivo, emprestando influências do neo-realismo e da nouvelle vague. Glauber Rocha sai da estética convencional para começar revolucionando na própria estética, para alçar as mudanças ao mundo afora, a antropofagia do cinema europeu regurgitada em uma realidade puramente latino-americana, em um cinema puramente brasileiro ou como disse Glauber Rocha em uma entrevista para a TV no Festival de Veneza: UM BARATO AUDIOVISUAL!!

*Agradecimentos: Jamile Santos Santana, grande amiga que me contou sobre a comparação que ocorreu entre Barravento e Deus e o Diabo na Terra do Sol, na época do lançamento do último, devido aos contrastes de localidade e que pontua bastante as pontualidades em sua filmografia.

Nota: 10/10




Trailer:

Um comentário:

  1. Adorei sua crítica. Acabei de assistir o filme e decidir ler algo que me permitisse refletir melhor, com mais clareza, o filme. O seu texto mostrou o lado da produção, a câmera e o som e a atuação teatral, ganharam mais significado e uma nova perspectiva.
    Parabéns.

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