segunda-feira, julho 28

Crítica: Gattaca - A Experiência Genética (1997)



Por Conde Fouá

“Num futuro próximo o avanço da genética divide a humanidade socialmente em duas: No andar de baixo aqueles que foram concebidos de acordo com as leis da natureza hoje em voga (os não válidos), no andar superior aqueles que foram concebidos de acordo com a manipulação genética (interferência do homem na criação). Os válidos passam a ocupar os lugares de excelência na sociedade futura, postos que devido as responsabilidades que deles emanam, não devem ser de responsabilidades dos calvos, frágeis, míopes, astigmáticos, etc. Vincent que foi concebido não se valendo do avanço científico, não aceita isso. É um indivíduo que almeja além do que está ao conhecimento do homem. Sonha em ir ao espaço explorar o desconhecido. Para isso ele se faz passar por um válido, que ao ter inutilizada suas pernas, passa a lhe fornecer material humano que o possibilita ludibriar a segurança e ser aceito funcionário em Gattaca (uma espécie de NASA). No entanto quando ele esta próximo de atingir seu objetivo, um assassinato é cometido e ele corre o risco de ser desmascarado....” 

Revisto hoje a impressão deixada por Gattaca quando de sua chegada aos cinemas não se arrefeceu. É um belo filme, com um roteiro que levanta questões inerentes a humanidade; além de outras mais ligadas a arte cinematográfica. 

Quanto a primeira, imagine nosso mundo atual com o desenvolvimento de um maior conhecimento da Genética nós próximos, digamos, 60 anos. A genética é nos dias de hoje o ramo da ciência que mais nos vende a ilusão de ser o “elixir da longa vida ” ; “ a fonte tão procurada por Ponce de Leon ”, “o cálice sagrado ”. Pensamos que ao desvendar o código genético e o manipularmos, poderemos enfim, corrigir todos os defeitos da humanidade. Afinal, nosso corpo não se resume a 46 cromossomos? Nesse mundo futuro onde a Genética não possuirá mais de segredos para o homem, tornar-se-á algo de uso cotidiano. Assim não necessitaremos mais de documentos de identidade, afinal um fio de cabelo, uma pele morta, uma gota de suor, sangue ou de saliva bastará para nos identificar (por outro lado não poderemos ser reféns de regimes totalitários?).

Poderá realmente o DNA nos revelar desde o nascimento até o momento que partiremos para o túmulo? Poderá determinar o que cada um fará de sua vida? Não seremos então talvez, mais do que simples peças de um maquinário (algo já levantado em “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley). Um indivíduo nessa época de transição poderia ser deslocado para os níveis mais baixos da camada social, simplesmente por não fazer parte dessa nova raça que surge. Naturalmente que o avanço das leis não permitiriam isso de modo oficial; mas o ser humano faria uso da tecnologia para driblar tais leis (bastaria um fio de cabelo ou um pouco de saliva para discriminar alguém).

Vincent Freeman é uma ser natural, concebido pelos seus pais, que tinham o desejo de dar a vida a um ser que pudesse buscar a sua felicidade. Posteriormente eles tem um outro filho (esse concebido de acordo com a nova “moda ”). O fato é que os pais também acabam manipulados por essa nova visão social. Eles o amam, mas crêem (são levados a isso) que o filho está destinado a funções subalternas nesse novo mundo. Temem que os sonhos que ele acalentava desde criança seja sua perdição. Sonhava em ir para o espaço e estudava para esse fim. Contudo foi-lhe dito que ele tinha predisposição a problemas cardíacos e não superaria os 30 anos (99% de possibilidade – Quem apostaria contra?). Ele então vai trabalhar na Gattaca como faxineiro. Tão perto e tão longe de seu sonho. Lá ele observa através dos vidros que mantém perfeitamente limpos as partidas das espaçonaves. Ah... se fosse apenas esse vidro que o separasse de seu sonho. Ah... se ele fosse dotado de um QI menor. Ah... Isso o fez lembrar que superara uma vez o irmão, indo contra todos os prognósticos. Não dotaria sua existência de sentido, o poder novamente ir contra todos os prognósticos? A oportunidade surgirá quando ele resolve virar um pirata genético. Surge a sua frente um indivíduo que lhe é semelhante. E o acaso faz com que os interesses de ambos se coadunem. Ele passa a usar do DNA produzido diariamente pelo outro e se mascara. Tem-se início a batalha de um homem contra um sistema injusto.



Gattaca não é um filme que faz parte da série “veja e esqueça”. O cenário é sóbrio, sem rococós. Afinal, Gattaca é um mundo onde a perfeição ali vive. Mundo extremamente limpo, insistentemente limpo para que nenhum traço de inferioridade ali se aloje. O filme não nos conduz ao repouso. A sua ação ocorre no interesse que ele desperta, nas questões que ele conduz e responde, ainda que de maneira indireta: é justo fazermos o papel de deuses ? Temos capacidade moral para tal? Não transformaremos o conhecimento superior em instrumento para justificar nossa mesquinhez? Questões de ordens éticas que nos conduzem a não concordar com a ordem vigente que impera nesse futuro. A forma pertinaz com que Vincent esconde seu DNA nos surpreende. Assim a sua luta é vencer a ordem estamental que vigorará daqui a pouco. Os personagens que surgem a tela nos fascinam. Fascinam-nos por que sabemos que paulatinamente todos eles irão fazer uso da razão e não podem aceitar assim o script a que foram sujeitados. Vincent é o elemento de modificar desses indivíduos: Jerome de maneira paulatina aprende a respeitar e admirar Vincent, pessoa que a princípio menosprezava. O mesmo se dá com a personagem Irene (uma sobriamente linda Uma Thurman) que de início faz uso dos recursos que a genética possibilita para conhecer Vincent e que aprende com esse, que tudo isso é apenas um detalhe superficial. A cena do fio de cabelo que ele “perde” a encanta e a nós. O irmão de Vincent também se curvará a verdade, mas tal será mais difícil. O mais surpreendente foi a atitude de Lamar (Xander Berkeley). Sendo o responsável científico pela ordem vigente dentro de GATTACA, vemos que foi o primeiro a perceber que o que importava eram os resultados práticos de cada um, não a potencialidade genética (que poderia ou não ser explorada pelo indívíduo). A questão que mais perturba, no entanto caberá a cada um meditar : O corpo é comandado por algo que é independente da vontade da ciência ou dos outros? Algo que possui livre arbítrio e que nunca poderá ser enclausurado pelos limites que nos cerca?
 
Do ponto de vista cinematográfico o filme se repousa sobre algo que parecia destinado a ser esquecido pelos novos cineastas: São os atores que fazem o filme. Os efeitos especiais servem aos atores, não estes a eles. A imagem alterna-se entre planos frios ligeiramente azulados e outros quentes e dourados. A imagem também não serve a querer desviar a atenção da história. Ela está inserida de maneira sóbria a fim de compor o todo que surge nas telas. A trilha sonora também se junge de maneira eficiente a obra. 
Ainda acho que o filme necessita de que o crítico maior de qualquer obra possa referendar definitivamente sobre ele. Trata-se de uma obra futurista. Essas obras, mais do que as outras, tem no Tempo um juiz severo. “Farhenheit 451” de François Truffaut ainda instiga, mas o cenário e a fotografia soam ultrapassados. Será que a obra de Niccol daqui a 30 anos também não sofrerá de tal mal? Dentro em breve saberemos.

Escrito em 15/06/2008

Nota: 8,0/10,0




Crítica: Gilda (1946)


Por Conde Fouá

Como? Se eu já tinha anteriormente deitado meus olhos sobre Gilda? Sim. No entanto ao rever através do recurso do DVD esse filme percebi que ou eu estava sem óculos ou estava distante do que vira. Não sei se alguém já escreveu algo da forma como eu escreverei. E nem estou certo se conseguirei colocar em palavras o algo que percebi em seu arcabouço. E tampouco sei se tal visão é correta. De qualquer forma a escrevo de forma a não perder a ideia. E estou aberto a qualquer crítica e aprofundamento da questão.

“Em Buenos Aires, Farrel é um americano que ganha sua vida enganando jogadores nos dados, mas uma noite ele é agredido por uma de suas vítimas. Das sombras um homem distintamente trajado o salva e lhe indica um cassino que poderia frequentar. No Cassino Farrel se dá conta que seu salvador desconhecido é o dono do local: Ballin Munson. Esse o contrata após ser convencido de sua utilidade. A amizade e a confiança mútua entre ambos cresce a medida que o tempo passa a ponto de firmarem um pacto: Não haverá nunca ninguém entre eles e o jogo. Só que um dia Ballin conduz a sua casa, logo após uma viagem, sua nova esposa: a bela Gilda.”

A primeira questão fechada sobre a obra é que se trata de um filme noir americano. Consenso quase geral e que eu não possuo argumentos para questionar (e nem pretendo). Agora é um filme americano que faz uso de uma cidade que a época da feitura do filme era cosmopolita. E a Buenos Aires vista no filme nada se assemelha a realidade. E nós nem colocamos isso como um empecilho, uma crítica contra o que foi construído e nos apresentado enquanto obra. A história está tão bem urdida, o elenco tão afiado, a direção tão inspirada que o real da tela nos cativa. Onde já vimos isso? Não precisamos ir muito longe. Basta recuar uns dois pares de ano e nos lembrarmos de Casablanca. Casablanca é um filme realizado em estúdio (tal como esse) e nada possui de verossimilhança com a capital do Marrocos. Mas é impossível deitar os olhos sobre um mapa geográfico e ao ver o local não nos remetermos ao filme. Casablanca criada por Hollywood tem ares de uma cidade mitológica povoada por personagens carregados de sentimentos que tão bem conhecemos. E o filme de 1942 soa até hoje como algo que todos tentam tocar. E Casablanca ao menos soa mais generosa que Germelshausen (Brigadoon) já que ao contrário dessa que só surge uma vez cada cem anos, podemos revê-la  mais rapidamente, bastando para nós nos colocarmos diante da tela quando a oportunidade surgir (antes do advento do Vídeo Cassete, DVD, Blue Ray os Cineclubes ao menos duas vezes ao ano punham em cartaz o filme – como no feliz curta  Nem Tudo Que É Sonho Desmancha No Ar ) Mas diachos o que este cara está falando, dirá um atônito leitor. O filme a ser discutido não é Gilda?! Sim é. Mas voltando a Casablanca. Na década de 40 o impacto causado pelo filme produziu obras que tentavam imitá-lo como “Os Conspiradores” e “Uma Aventura Na Martinica” para ficarmos em duas. Tiveram lá o seu êxito, mas ficaram distantes do que pretendiam homenagear.  Já Gilda...

Acredito que Gilda se vale do esqueleto de Casablanca de uma forma sutil e inusitada. Só que os personagens e o clima são distintos daquele do filme de Curtis. Em Casablanca o que víamos na tela eram refugiados e vários artistas em papéis similares (eram também refugiados: Peter Lorre, Conrad Veidt, Marcel Dalio, etc).

O que em primeiro lugar distingue ambos os cenários é que em Casablanca a Guerra estava ainda presente. Em Gilda a história se dá logo após seu término em uma cidade em um país que serviu de pátria para muitos adeptos do Eixo.

Num segundo momento os personagens são em geral, cópias mais negras (excetuando-se o detetive Maurice Obregon) daqueles de Casablanca:
Johnny Farrel é um Rick mais empedernido: Um jogador profissional e trapaceiro que possui uma única fraqueza: Gilda.  Mas ele não é um apaixonado e encontra no homem que a possui qualidades semelhantes a sua. Ele tudo faz para o proteger (vê Ballin como seu alter ego). E acha que punirá sua ex amante a mantendo presa de uma certa forma a Ballin (ou ele mesmo).

Gilda é uma Ilsa sem a aura romântica, dotada de uma beleza mais sensual, de corpo frágil e sobretudo que transpira uma fatalidade. Está ao centro da amizade entre dois homens e sabe que é desejada por ambos. Simboliza a amante e a amada. Ela somente desposou Ballin para agredir Johnny. A sua beleza estonteante e o distanciamento e artifícios que faz uso para agredir o amado demonstram que o romantismo se existe está encoberto por camadas de máscaras sociais. É uma armadura para se defender de um mundo que está longe de possuir uma aura de paraíso.  

Ballin é o personagem mais ambíguo da película, de uma certa forma indescritível. A maneira como o ator George MacReady o compôs nos desconcerta: Ambicioso, egoísta, possessivo, calculista e dono de si. Sempre vestido elegantemente, ora com um roupão, lenço destacado e uma dicção suave trazendo junto a si uma bengala punhal, tão afiada como seu pensar. O Johnny que ele enxerga não é o real, mas aquele que simboliza sua ideia de amizade. Ele brinda sempre em trio: o terceiro personagem é essa bengala (símbolo fálico?). Difícil classificá-lo tendo em conta Casablanca. Seria como o inspetor Renault totalmente vendido ao Furher.  E também temos na  relação entre os dois algo que desemboca em uma cumplicidade maior: Os três personagem são vetores de uma sexualidade – hetero ou homo – permanente durante toda a película, driblando de forma inteligente os limites da censura da época. Ballin então tem todos os motivos para querer matá-los: foi duplamente traído e perdeu a ambos.  Não é possível a saída: “Isso é o começo de uma grande amizade”.

Tio Pio é um velho que tem ares de filósofo. Mais contundente que Sam, ele não perde a oportunidade de escancarar o que pensa. O que Sam tem de submisso, Pio possui de ousadia. Não custa lembrar que ambos, no entanto estariam como espectadores da história, algo que em Gilda deixa de se assemelhar ao filme de Curtiz devido a atitude final de Pio.

O detetive Maurice Obregon é um Renault que não precisa agradar nazistas ou nacionalistas. E também não se aproveita de sua posição. Está ali como o personagem mais insípido de toda a trama.

Outro momento que muito se assemelha a Casablanca é a primeira aparição da fêmea na tela. De forma inesperada e que causa estupefação e tremores no amado.

Gilda não quis ser concebido como um filme que imitasse Casablanca. No entanto soa-me que seus autores ao buscarem a originalidade, deixaram de forma inconsciente, que o filme de Curtiz lhe enriquecesse a criação. É a impressão que tive ao término da projeção. De qualquer forma cabe a quem não viu o filme o conhecer. E os que já degustaram das duas obras assisti-las novamente. Quem sabe mais alguém enxergue o que eu vi. E se não notarem semelhança nenhuma ao menos serão agraciados ao fim da projeção com o que de melhor era produzido na década de 40 nos Estados Unidos. É isso.

Nota: 8,5/10,0


domingo, julho 27

Crítica: Enigma de Uma Vida (1968)

Por Conde Fouá

Existem algumas obras que apesar de suas qualidades indiscutíveis jazem esquecidas por motivos impenetráveis. Impossível tentar desvendar o motivo pelo qual isso ocorre, afinal ainda que creditemos isso aos interesses do mercado, sabemos que existiram casos que esse interesse não foi suficiente para calar a arte, e ela brilhou no meio dos caos da adversidade. O filme a se discutir é por si só tão original e perturbador, que o fato de permanecer esquecido e pouco comentado causa-me surpresa.  Conheci-o através da tela pequena, mais precisamente pelo Tele Cine Cult. E já o vi por três vezes. E em todas elas as virtudes de sua narrativa e execução nocautearam-me. Como é possível nunca ter ouvido falar de tal filme?

“Em uma área residencial abastada, Ned Merril sai do bosque que a entorna e mergulha na piscina de uma rica residência. Ele é bonito, está trajando apenas roupas de banho. Saindo da piscina sobre o olhar desconfiado dos residentes ele os cumprimenta e afirma que possui uma ideia: Retornar ao seu lar atravessando todas as piscinas da vizinhança.”

Frank Perry o diretor com a ajuda de sua esposa que escreveu o roteiro vai nos contar um inteligente road movie. O road movie de uma alma. Fazendo uso de uma mise em scène original que causa certo desconcerto, o filme vai narrar como a América dos anos 50 vai entrar na era da dúvida e de um grande questionamento das premissas que a construíram.  Durante seu trajeto de piscina em piscina Ned Merril vai cruzar com vários personagens pertencentes ou que vivem no entorno da Sociedade WASP. O diretor desmascara a alta sociedade, composta de intelectuais, empresários, artistas que representam a American Way of Life.  É uma visão que poderia nos soar agradável num primeiro momento. Um mundo de “Caras” aparente.  No entanto como ele nos é apresentado por um personagem que nos desconcerta, não sabemos o que lhe vai n’ alma, tampouco o caminho que ele trilha. Então essa casta que celebra seu sucesso com festas a beira da piscina, regadas a comida cara e bebida fina, traz por trás um mundo vazio de valores ou moralidade. Um mundo de aparências, totalmente oco. Apesar de Merril se encontrar com dezenas de pessoas, delas não se carrega nada, a não ser a sensação de vazio. Seres sem alma, que levam o espectador atento a sentir certo mal estar e se encontrar como o protagonista: deslocado. A necessidade que ele possui de mergulhar nas piscinas nos dá a ideia de que é preciso se purificar, necessidade de ressurgir das cinzas desse “mundo” um novo homem. Será possível retornar a fonte primeira e renascer purificado, virgem?

Na primeira cena do filme somos levados a um bosque onde Merril surge-nos de costas quase nu. Parece-nos um selvagem livre das impurezas trazidas pela Civilização. Quando sai da Natureza para retornar ao mundo de onde veio,  a trilha sonora de Marvin Hamlisch casa perfeitamente com  percurso que nos é apresentado. Ele inicia o filme com um tema que remonta ao lírico mas que possui uma surda melancolia evocando de certa forma a força da natureza, mas algo outonal, que remonta ao seu declínio. A trilha sonora se junge ao sonho de pureza e de renascimento de Ned (lago, árvores, revoada de pássaros, rio), mas traz em seu bojo já a ideia de término dessa utopia. Ao sair desse bosque, o vemos de costas defronte a piscina da primeira casa, a melodia retorna de forma tímida, somente algumas notas que se aceleram, anunciando a partir desse momento as feridas do personagem, sua loucura. Quando ele pula na água, o tema lírico retorna, como se ao seu contato, tudo se limpasse, se retirasse dele o mal que o acomete. A ilusão de renascer retorna.


A medida que o protagonista remonta ao rio imaginário a partitura retorna. Mas ela passa a ser maculada em sua pureza pelas influências da Civilização corrompida. A bebida servida por um amigo, os coquetéis a beira das piscinas, as revelações sobre seu passado, vão contaminando esse lirismo transformando-o em algo mais sombrio e doentio até desembocar na cena final onde um Ned é acompanhado pelos instrumentos de uma orquestra a que se mesclam sons de um ambiente sepulcral para dar forma a uma sinfonia fúnebre que o colocará face a face com o vazio de sua existência. Burt Lancaster está excelente no papel e ele possui o físico certo e consegue com seu talento nos passar a ideia desse declínio físico e psíquico do personagem a medida que vamos desnudando sua alma. No inicio ele nos aparece como um semideus. A ator nos passa as nuances dessa transformações até o momento em que ele cai de joelhos. O elenco que o acompanha impressiona, sobretudo Janice Rule, que transmite pelo olhar e gestos a dor que a dilacera.

Frank Perry jaz desconhecido, mas se o restante de sua obra trouxer o vigor dessa,  é necessário revisitá-lo com urgência. Com certeza um dos filmes chaves americanos da década de 60, que une originalidade a um arguto diagnóstico da sociedade que retrata. Imperdível. 

Nota: 9,0/10,0

sexta-feira, julho 25

Sessão Curta+: Room 8 (2013)

Filme: Room 8
Direção: James W. Griffiths
RoteiroJames W. Griffiths
Gênero: Drama/Fantasia
Origem: Inglaterra
Duração: 8 minutos
Premiação: Melhor curta-metragem britânico no BAFTA 2014
Sipnose: A história de um prisioneiro que ao descobrir uma caixa mágica depara-se com um segredo que o pode condenar para sempre. 

*Dica: aperta no item da lateral do vídeo para expandir a imagem.

Filme:

terça-feira, julho 22

Crítica: O Menino e o Mundo (2013)


Por Maurício Owada

"Aos olhos de uma criança..."

A parábola do menino que sai do campo para viver na cidade grande, seria uma proposta saturada, senão fosse uma parábola, aonde os elementos são representados através do uso de desenhos manuais com lápis de cor e giz de cera até recortes de revistas. Mas Alê Abreu vai além e constrói um olhar mágico de uma criança diante de um mundo vasto e muitas vezes, desumano, cruel, vazio e mecânico, através de parábolas visuais.

A partir da ideia de construção de roteiro na ilha de edição, a obra jamais soa presa narrativamente, ao contrário, dá toda uma liberdade visual através da edição e montagem, aonde histórias se entrelaçam e revelam um reflexo do mundo como um todo, ainda que muitas questões sejam provenientes da América Latina, a animação fala universalmente, contando com nenhum diálogo e os que têm, são algo ininteligível, o que ressalta o teor fantástico, todas essas questões passadas de uma maneira simples, sem delongas e jamais aborrecem o espectador, num ritmo que imersa o público e mal pode se perceber as horas, ainda que seja de pouca duração.

A trilha-sonora é de uma criatividade tão igual quanto a parte visual, utilizando de sons e batuques como efeitos, que se mesclam com as músicas que transbordam, junto com uma variada paleta de cores alegres, a alegria de um povo que utiliza a música como forma de esperança contra as próprias mazelas. A mistura da música regional com o samba aflora a diversidade brasileira, ainda que a questão da pátria seja implícito e o rap de Emicida no final dos créditos finais realça o engajamento das alegorias políticas, como o pássaro negro da opressão contra o pássaro colorido da liberdade, algo que remete aos filmes de Glauber Rocha, como O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, aonde o tempo irá levar embora o tal dragão, mas sempre fará renascer, das cinzas da esperança, um novo pássaro que representa uma fé ainda forte, esperanças revividas e o tempo, entre memórias e vislumbres do futuro, o menino encontra seu consolo com uma modesta latinha contendo uma música que ressoa a tempos remotos, de beleza e ingenuidade, que perdemos com a maquinização e o consumismo desenfreado.

O Menino e o Mundo é uma amostra da nossa capacidade de fazer animação, com temas complexos e uma criatividade em sua estética e discurso que anda ganhando o mundo, por onde passa.

Nota: 9,0/10,0




Trailer:

terça-feira, julho 15

9 filmes selecionados: sobre Juventude

Por Kaio Feliphe

Relacionamentos, responsabilidades, dúvidas... A adolescência é a fase mais conturbada da vida. A transição entre ser uma criança despreocupada, sem nenhum compromisso com ninguém e ser uma pessoa completamente atarefada no mundo caótico da vida adulta não é nada fácil.

E por não ser fácil, cada um enfrenta suas dificuldades de uma maneira. Uns são mais tranquilos, outros mais exaltados; alguns são mais pensativos e ponderam suas ações, outros são mais impulsivos e apenas atendem a seus instintos. Essas formas de enfrentamento são amplamente retratadas nas artes, especialmente no cinema.

Por isso, o E Aí, Cinéfilo, Cadê Você selecionou nove filmes que, de uma forma ou de outra, abrangem esse momento tão especial das nossas vidas.

9. As Virgens Suicidas, de Sofia Coppola (1999)

8. O Serviço de Entregas de Kiki, de Hayao Miyazaki (1989)

7. Os Incompreendidos, de François Truffaut (1959)


6. A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich (1971)

5. A Primeira Noite de um Homem, de Mike Nichols (1967)

4. Moonrise Kingdom, de Wes Anderson (2012)

3. Juventude Transviada, de Nicholas Ray (1955)

2. Férias Frustradas de Verão, de Greg Mottola (2009)

1. O Clube dos Cinco, de John Hughes (1985)

sexta-feira, julho 4

Crítica: O Homem Duplicado (2013)


Por Kaio Feliphe

"A teia mental de Denis Villeneuve."

OBS 1: O texto abaixo contém spoilers. Portanto, recomenda-se que se tenha assistido ao filme antes de ler.

OBS 2: A interpretação a seguir é feita pelo autor do texto. Sinta-se livre em concordar ou discordar.

O Cinema é repleto de obras sobre identidade e a dicotomia realidade/fantasia. Inclusive, vários diretores têm esses como temas centrais de suas filmografias, como David Lynch e David Cronenberg, por exemplo. Geralmente são filmes instigantes, que passam as suas ideias de maneira incomum, surreal até, com mensagens visuais que exigem do espectador um esforço maior para a compreensão. E é aí que entra a mão do diretor, que tenta trabalhar na linha tênue que divide o compreensível do completo bizarro. Alguns conseguem, outros não.

O canadense Denis Villeneuve definitivamente entra no primeiro grupo com o seu novo O Homem Duplicado [Enemy, 2013], filme que aborda questões como relacionamentos e conflitos internos de uma maneira instigante. O filme conta a história de Adam Bell, um professor de história que tem uma vida completamente rotineira entre as suas aulas e sua namorada Mary. Adam aceita a sugestão de seu colega de trabalho e aluga o filme “Where There’s a Will There’s a Way”. No entanto, Adam percebe que um dos atores, Anthony St. Claire, é exatamente igual a ele, e isso o deixa completamente obcecado em conhecê-lo.

A partir de então, o filme entra em uma viagem pela mente de Adam/Anthony. Villeneuve não transparece uma divisão entre o que é real e o que não é, entre o que está acontecendo e o que é apenas imaginação. Isso é causado pela fotografia que se mantém uniforme durante toda a projeção. Seus tons amarelados chegam a passar uma sensação de doença, imergindo completamente o espectador na esquizofrênica narrativa da história.

Mas o grande trunfo de O Homem Duplicado é como o filme conversa com quem o assiste; como Villeneuve insere detalhes que transmitem toda a mensagem da obra e faz isso sem mastigar pro espectador. O diretor nos deixa pensar, e quer que façamos isso.

Com certeza, o grande “mistério” do filme sejam as aranhas e todos os elementos relacionados a elas que aparecem constantemente. Mas para entendê-las, é preciso dissecar Adam/Anthony. Os dois são partes da mente de um mesmo indivíduo (o filme deixa isso bem claro, como na conversa entre Adam e sua mãe; e quando Helen, esposa de Anthony, vai até a universidade). Esse indivíduo possui sérios problemas de compromisso. Ele não consegue se manter em um único relacionamento e tem medo de que isso aconteça.

Por isso, o uso das aranhas. Aranhas são conhecidas por prender suas presas em suas teias, além de que as fêmeas de algumas espécies matam o macho depois da copulação. Na simbologia do filme, aranhas representam as mulheres (e, por consequência, os relacionamentos com elas) na visão de Adam/Anthony (a imagem da mulher com a cabeça de aranha no sonho de Adam ilustra isso).

Outro fator que deixou todos intrigados foi a fantástica cena final. Mas antes dela, temos que analisar os acontecimentos que a precedem. Anthony pensa que Adam dormiu com Helen. Por isso, ele o propõe em fingir ser Adam para sair com Mary e os dois ficarem quites. Enquanto Anthony sai com Mary, Adam vai até o apartamento de Anthony. Nesse momento, Adam e Anthony deixam de existir. O que resta é o indivíduo e sua mente brigando entre si.

A montagem da cena seguinte é extremamente bem feita, pois ilustra exatamente esse embate. Enquanto o indivíduo (representado por Adam) dorme com sua esposa, sua mente (representada por Anthony) sai com Mary. Adam acorda no mesmo momento em que Mary descobre que Anthony é casado. Adam senta no sofá e começa a chorar; Anthony e Mary vão para o carro e começam a discutir. Helen vai até a sala e encontra seu marido, ele a pede desculpa e ela diz que quer que ele fique; durante a discussão, Anthony perde o controle do carro e bate.

Essa brilhante sequência mostra a briga interna entre homem e mente, entre sua força de manter o seu casamento e os seus instintos de fugir dele.

Finalmente, na cena final, ele (que não é mais nem Adam, nem Anthony) está vestindo um terno e encontra no seu bolso um envelope com uma chave. Essa é a nova chave do strip-club que ele frequentava (local mostrado no início do filme). Ele avisa Helen, com um olhar de tentação, que terá que sair a noite. Ao ir ao quarto, Helen não está lá, e sim uma aranha gigante. O grande detalhe dessa cena é que a aranha aparenta estar amedrontada. Por quê? Lembram do início do filme, quando Anthony está no strip-club e uma mulher ameaça pisar em uma aranha? A aranha gigante (que representa Helen e o casamento deles) está com medo de ser esmagada, de ser destruída da vida dele.

“Tudo isso é um padrão, que se repete ao longo da história.”

Por mais que ele tenha brigado e vencido seu lado egoísta e infiel, na primeira oportunidade que tiver, ele voltará à tona. Além disso, pode ser que ele não brigue mais

“Hegel disse que os maiores eventos da história acontecem duas vezes. Karl Marx acrescentou que na primeira vez é uma tragédia e na segunda, uma farsa.”

Sabe quando você tem um problema que não consegue solucioná-lo e começa a aprender a viver com ele, fazendo até piada dele? É assim que ele viverá. Se na primeira vez foi uma tragédia, na segunda será uma farsa, uma piada. Será apenas algo que ele aprendeu a conviver.

O Homem Duplicado é um dos mais instigantes filmes dos últimos anos. Depois da realização do também ótimo Os Suspeitos [Prisoners, 2013], Villeneuve vai se firmando com um diretor muito acima da média. Um diretor que conduz suas histórias não de uma forma didática e enlatada para o espectador, mas que imerge quem assiste em um universo e o deixa explorá-lo. E explorar universos é uma das coisas mais fantásticas que o Cinema nos permite fazer.

Nota: 8.0/10.0





Trailer: